A Estranha
Me lembro do primeiro smartphone com tela sensível ao toque como se fosse ontem. Era o iPhone, lançado em 2007. Aquele pequeno retângulo brilhante mudou tudo. Depois dele, os celulares começaram a engolir o mundo — cada novo modelo trazia mais funções, mais possibilidades, mais distrações. Fotos. Armazenamento. Contatos. Mensagens. Vídeos. Internet. Filmes. Mais internet. Eu nunca fui fotogênica. Mas os aplicativos começaram a mudar isso. E foi aí que conheci meu primeiro grande amor: Snapchat.Os filtros sabiam exatamente o que esconder — o nariz que eu achava grande demais, a boca que parecia torta, os olhos sempre cansados.Logo depois veio o Snow. Ainda mais ferramentas. Mais controle. Mais versões…
Homem de Lata
Amor, uma palavra tão bela, independentemente do idioma. Amoure, Love, Liebe, el Amor… tantas palavras lindas para o único sentimento que eu gostaria de sentir.Sou o homem de lata sem coração, nunca senti tristeza, raiva, alegria ou amor. O amor é o sentimento que mais gostaria de sentir, sentir essas tais borboletas no estômago, ficar ansioso para rever a pessoa e sentir o amor dela por mim.Depois da derrota da Bruxa Má do Oeste, finalmente ganhei meu coração, sentimentos acompanhados pelo belo tic-tac das batidas do meu coração. Estava pronto para finalmente sentir.Meu primeiro sentimento foi a tristeza, com a despedida da Dorothy, mas não estava sozinho: o Espantalho e…
Mediana
Eu sou mediana, nem bonita nem feia, nem alta nem baixa. Dificilmente sou notada, nunca chamo atenção e passo despercebida. Sempre a segunda opção—nos jogos escolares, na hora de formar par, no momento de escolher um grupo de trabalho. Eu sou mediana, nunca notada nas festas, sem nenhum talento específico. Sei cantar, mas não no nível da Amy Winehouse. Sei escrever, mas não no nível da J.K. Rowling. Minha escrita é boa o suficiente para se ler, mas não para ser publicada. Eu sou mediana, bonita o suficiente para servir de modelo de roupa, mas muito baixa ou acima do peso para uma modelo de passarela. Sei atuar, mas não…
Marionete
Como Pinocchio, eu queria ser uma pessoa de verdade. Cuidadosamente criado pelo Gepetto em cada mínimo detalhe: dos pezinhos às articulações, roupas e linhas. Uma marionete perfeita que, junto com o grilo, sua consciência, se transformou em um belo menino com um pai que já o amava, mesmo enquanto era apenas um boneco.Ao contrário do Pinocchio, meu criador não teve tanto amor ao me fabricar. Sempre cheirava a cigarro e álcool enquanto trabalhava em mim. Era apático e impaciente, e seus olhos carregavam um cansaço misturado com desprezo. Com inveja do Gepetto, ele queria criar uma marionete melhor, maior, mais esperta, mas não foi bem esse o resultado que ele…
Alice
Oi, meu nome é Alice e sou uma boneca defeituosa. Como fiquei assim? Bem, venho de fábrica. Todas as bonecas falavam, eu mal conseguia formar uma frase. As bonecas sabiam brincar, mas quando eu tentava, ou era agitada demais para a festa do chá, ou muito lenta no pega-pega. Já fui a diversos doutores de brinquedos. Exames e testes foram feitos para descobrir qual era o meu defeito, porque, por fora, eu parecia normal. Mas algo dentro de mim, dentro da minha cabeça, não estava correto. Em algumas partes, tinha engrenagens demais; em outras, de menos. Disseram que eu nunca seria normal como as outras bonecas. Como as outras bonecas…